Oie, gente sumida! Tudo bem? Interrompo meu silêncio sob pretexto de compartilhar uns pensamentos que tive hoje, enquanto trabalhava. A falta de atualizações desta News é fruto de muito trabalho mesmo, além do pouco cuidado com este espaço. Algo que precisa mudar. Mas, enquanto procrastino meu planejamento, peço que sejam pessoas generosas e me dêem uns minutinhos de sua atenção. Este texto é sobre o binômio caos e ordem.
CAOS
Muitas vezes, quando me perguntam como foi que me tornei escritor, respondo com uma sinceridade que antes me custava muito: eu sempre quis ser artista. Claro, quis ser muitas coisas na vida e já falei sobre isso por aqui e por aqui, mas o desejo de ser artista acho que sempre esteve dentro de mim.
Falo em ser artista no sentido do desejo de me expressar e mostrar meu ponto de vista para os outros. Gosto de ser lido, ouvido, visto, comentado. Gosto da ponte que a obra passa a ser entre o autor (eu, no caso) e seu interlocutor (você, caso não seja um robô do Google).
Falo em ser artista também no sentido de ser caótico, livre, experimental, por princípio. Já falei aqui também sobre meu processo e rotina de escrita (cof cof). É no meio de um furacão de coisas que os textos, fotos, colagens, desenhos e pinturas e tudo mais começa a germinar.
Isso quer dizer que o ponto final de um romance, ou a última pincelada de uma aquarela é, para mim, o ponto alto da desordem. É o climax de um estado de pensamento que tomou forma, frágil como a fina camada de gelo que se forma sobre as folhas numa noite de inverno, ou pode mesmo ser um floquinho de neve especial.
Eu amo esse momento e desde criança sinto que é o ato de me expressar em si que vale todo o esforço. Poderia viver só de momentos assim e seria lindo. Esse é meu espírito criativo.
ORDEM
Mas o terror de toda geada é o sol que vem com a manhã. O dia chega chegando e seu calor derrete tudo que vê pela frente. Há coisas que crio que faziam muito sentido ao luar, mas carecem de estrutura para sobreviver à luz jogada sobre elas. É óbvio que ainda teremos milhares de noites por viver e sempre podemos criar coisas novas, mas descobri que o jeito de fazer isso tudo durar um pouco mais é aplicar um tiquinho de ordem.
É muito mais fácil fazer isso com a obra dos outros do que com as minhas próprias, preciso ser honesto. Mas contarei agora como um processo de estruturação e organização fazem parte da minha vida como artista. Serei breve, juro.
Há alguns meses, durante um curso sobre storytelling e narrativas pessoais, um aluno compartilhou uma coisa com a turma que me deu um gatilho. Ainda durante a aula minha cabeça custava a obedecer minha ordem de permanecer focada no conteúdo programático e elaborava trechos de uma história que ia nascendo e tomando conta de tudo. Naquela mesma noite terminei a primeira versão de uma história que me fez chorar ao reler só para mim. Havia algo legal ali.
A primeira coisa que se faz nesses casos, pelo menos para mim, é guardar o manuscrito na gaveta para proteger do sol. Deixei decantar a emoção e, na semana passada, retomei o texto para ler. Li em voz alta para Flávia, amiga, escritora e admiradora do caos. Chorei de novo. Nem era gelo. Achei que tinha um floco de neve na pontinha do dedo.
A segunda coisa então é lançar outro olhar para o texto. Encontrar quais foram os pontos que se fizeram, quais pedaços são parecidos e quais são diferentes. O que ecoa? O que destoa? É um olhar aberto e distante para o texto (no caso da obra ser um texto, claro) para reconhecer uma forma geral e blocos fundamentais.
Depois lanço um olhar para cada um desses blocos e vou entrando sistematicamente, como se desse um zoom in. O texto, os blocos, os parágrafos, os períodos, as frases e as palavras. Nessa onda, vou buscando refinar e harmonizar. Reforço a estrutura do meu floco de neve para que ele sobreviva. Esse é meu espírito de designer.
Design é uma atividade consciente. Design é feito de propósito, sempre. A função do design é ajudar ou modificar o comportamento das pessoas, seja de uma perspectiva funcional, seja de uma perspectiva estética. Para mim, o designer não vive sem o artista. E vice-versa.
O DESIGN DE CONTEÚDO
Para finalizar essa minha palestrinha - que espero que tenham gostado até aqui - vou dar um pequeno exemplo de como faço o trabalho de design de conteúdo, ou design de narrativa. Como expliquei, a ideia aqui não é mais criar a história. Ela já foi concebida e já fez gente rir e chorar. A ideia aqui é ajudá-la a permanecer.
Semana passada comecei a editar um livro de um amigo. São quase 70 micro-crônicas do cotidiano que saíram da cabeça dele como flocos de neve e que pousaram sobre tinta e papel. No caso, pousaram na timeline do perfil dele do Facebook, onde ele as publicou originalmente.
Li o texto todo e dei início ao processo de design.
De um lado, criei um moodboard no Pinterest, onde vou criando um pequeno catálogo de imagens que representam o que eu sinto sobre a história. Serve para ajudar na construção do projeto gráfico, capa, etc, mas serve também para gerar ideias de concepção e estrutura da própria narrativa.
De outro, aplico três etapas do processo de sistematização e ordenamento do conteúdo.
Nuvem de palavras: quando o texto é bem curtinho, eu pulo essa etapa. Mas quando tenho mais de 5 mil palavras, costumo jogar o texto completo numa ferramenta de tagcloud. Retiro as palavras repetidas e muito comuns para ver o que salta aos olhos. Esse registro serve para duas coias: primeiro, para a gente saber se as palavras que mais se repetem ajudam a corroborar a tese central do texto. Segundo, para a gente saber se existem palavras “especiais” que precisam de mais espaço.
Planilha de classificação: mais uma vez, aqui eu falo de um caso específico de um conjunto de muitos textos. Mas uso esta mesma técnica para apresentações de projetos, PPTs e aulas. Coloco numa planilha cada “pedaço” para que eu possa classificar. Aplico três tags que resumem o tema central daquele texto. Uma tag com peso maior e duas tags com peso menor. Também costumo classificar o texto ou parte de uma aula, por exemplo, com uma nota de 1 a 5. No processo de edição eu posso também usar essa mesma planilha para fazer o controle de pedido de ajustes pro autor, por exemplo, afim de ter mais textos nota 5, ou mais textos com tags que julgo importantes.
Quadro geral: crio um board no Miro, ou então pego uns post its em casa mesmo para agrupar os textos de diversas formas. Primeiro pelas tags, para ver de que forma eles vivem juntos. Isso serve para a gente identificar aqueles que são muito iguais entre si ou aquele que é completamente fora da curva. Essa forma de agrupar é fundamental para dar mais harmonia e equilíbrio para a obra. Um texto com tag A, quando lido no meio de textos com tag B, costuma “pegar emprestado” o efeito de tags que não tem. E o mesmo serve para as notas. Pego os textos com melhor nota de um mesmo agrupamento e espalho eles. Depois vou preenchendo as lacunas com textos com notas menores. Um texto nota 4 ou 3 não é pior do que um texto nota 5, mas ele tem outra função dentro da estrutura. Provavelmente a gente usa ele como escada para o texto nota 5. Ele prepara o tema, por exemplo. E ele também valoriza ainda mais o texto nota 5. Textos nota 2 e 1 tendem a ser refeitos ou descartados.
Feito isso, temos um livro. Essa é uma das faces do design de conteúdo. Nada criativo, nada caótico. Sistemático e ordenado, feito com propósito.
E aí entram outras etapas de design, como projeto gráfico, diagramação, capa, interface, etc… mas isso aí já é ooooutra história. A noite chegou e é hora de dar espaço para o caos. A ordem fica para amanhã.
Livro novo, low profile
Nestes 8 meses sem notícias por aqui, publiquei um livro novo. O sexto. O Mundo Colorido de Aleixo Belov é um livro ilustrado para colorir. Criado em parceria com o Museu do Mar Aleixo Belov, via lei de incentivo, o livro ainda não está à venda para todo o público, mas deve chegar logo. Foi ilustrado por Bua, meu grande parceiro que ilustrou também o meu Velas Cheias de Sonhos.
Fizemos um livro com aquela proposta de pintura relaxante para animar os adultos, mas nada tão complexo para que fosse também aproveitado pelas crianças. As cenas são próprias da vida marinha e vêm acompanhadas de trechos dos diários de Aleixo Belov ao longo das suas viagens.
A edição foi de Vanessa e a publicação feita pela Livroteca Story Time.
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Tava com saudade de te ler! E esse texto deu comichão pra começar aquele projeto lá... Quer dizer... Pra organizá-lo! 📚🎉🌷