“Oi, escritores, vamos nos conhecer melhor? Como você começa o seu dia? Tem uma rotina matinal?”
Hoje cedo me deparei com essa mensagem no Instagram. Era um post de uma escritora querida procurando assunto pra conversar, claro, mas na falta de uma resposta concreta, me perdi por um tempo na minha própria cabeça até que resolvi trazer a reflexão para esta newsletter.
O papo de hoje é sobre processo e rotina… e a vida real.
Já imaginou essa resposta: ”Claro que tenho! Minha rotina envolve período de pesquisa, consulta às notas anteriores, todas as manhãs 100% dedicadas, com meta de palavras por sprint e tudo harmonizado com uma trilha lo-fi e um pequeno bonsai na minha mesa”. Tem muita gente que entende isso aí como o arquétipo do escritor. Respeirei fundo e até pensei em mentir… mas não deu.
Aqui trabalhamos com a verdade e te digo: tenho uma rotina matinal. Acordo às 6h30, 6h40, às vezes 7h ou 7h15 (e aí já to gritando pqp para todo lado com o atraso). Acordo o filho mais velho, coloco a água do café para esquentar e arrumo a mesa. Expulso o filho mais velho de casa e ele segue se arrastando para a escola, coitado. Vou separar o lanche, material,roupa e acordo a filha mais nova. Dou um beijo na minha esposa, que nesse meio tempo estava se organizando para sair para o trabalho dela, amarro o cabelo da caçula do jeito que dá e caminho até a escola com ela.
No caminho de volta até em casa, penso em escrita. “Acho que devo retomar a reescrita do Mistério da Lagoa; preciso cobrar o contrato novo da editora; tenho dois livros para terminar de editar; um editor me pediu meu melhor texto e eu não tenho nenhum melhor pra mandar; preciso fechar o storyboard do livro para a colagem”.
Ufa! Cheguei em casa. É rapidinho, 5 minutos de caminhada.
Às 8h rotina continua com passar vassoura na casa, tirar a mesa do café da manhã e sair para correr, que é um momento 100% dedicado à refletir sobre as histórias que estou criando. Quando o treino é curto, massa. Quando é longo, terror porque preciso chegar em casa, tomar banho e bater o ponto do trabalho, que é meu plano B. B de Boletos. Caramba! Esqueci de bater o ponto. Mil reuniões, uma coladinha na outra. Quando chega às 11h é hora de pensar no que vou fazer pro almoço e será que vai dar tempo de fazer se essa reunião demorar mais do que o previsto. Sempre demora. Nunca dá tempo.
12h20, chega todo mundo em casa de novo, almoço quentinho na mesa, às vezes geladinho na pia pra esquentar no microondas. É a vida. Bate-papo ligueiro até a esposa voltar pro trabalho e… CARAMBA! Esqueci de bater o ponto do almoço.
12h50, todos almoçados, pratos na pia, comida recolhida, alarme programado para 14h e aí sim! Hora de fazer coisas legais. Pintar, estudar, tocar, escrever, jogar videogame, ver Netflix. Só dá pra fazer uma coisa. Jamais duas.
14h, alarme, luta contra o sono, tomar café e… MEU DEUS! O ponto novamente, como é que pode? Mais oitocentas reuniões que se reproduzem como gremlins em dia de chuva. Por falar em chuva, fechar as janelas e passar calor dentro de casa e sair pra buscar a pequena na escola às 17h30, ouvindo a reunião pelo Teams no celular.
Volta pra casa, mais meia dúzia de reuniões, dar o jantar pra molecada, esperar a esposa chegar do trabalho e… se eu falar que esqueci de bater o ponto agora vocês vão entender que eu realmente tenho dificuldade com bater ponto, né?
Todo mundo dormindo é hora de fazer frilas, entregar projetos e avaliar se existe energia suficiente para escrever ou pintar. Normalmente a vontade é apenas ficar no sofá ouvindo música até dormir.
E é isso. A minha rotina de escrita é bem essa aí. O problema é quando a gente tem referências clássicas de escritores que colocam a escrita como centro gravitacional da propria vida, onde existe um turno inteiro dedicado ao ato de escrever e nada é capaz de abalar esta estrutura. A gente olha pra nossa rotina maluca - a vida real, diga-se - e pode terminar pensando que é menos escritor. Como se eu não levasse verdadeiramente a sério a profissão que abracei. É foda. Eu levo!
O que me salva, no entanto, é o processo.
Em muitos desses momentos da rotina tenho ideias, acho soluções, repenso caminhos e converso com os personagens das histórias que estou escrevendo. Tenho um grupo no Whatsapp só comigo chamado “Bau de ideias”. É lá onde vou largando todo pensamento intruso na rotina e é para lá que vou quando é hora de escrever ou fazer qualquer projeto. Crio muitas histórias na cabeça, aprendi a pensar e depois escrever na imaginação e ainda editar o que escrevi na imaginação. O pouco tempo que tenho na frente do computador para digitar as palavras eu uso mesmo para isso: digitar as palavras. O texto muitas vezes sai pronto para ser reescrito. Mas sai.
Com isso, demoro semanas ou meses ruminando um texto na mente, desvendando seus caminhos internamente, e ele vai para a tela do computador em 40 minutos. Até parece que baixou uma inspiração divina, mas a verdade é que eu apenas vomito uma história da qual estou me alimentando há um tempo.
Na ausência de uma rotina de escrita propriamente dita tive que adaptar meu processo ao fato de não ter rotina e ter como deadline, nunca o prazo do editor, mas o alarme da próxima reunião.
O que ocorre neste cenário é que quase sempre estou com tantas coisas iniciadas e não acabadas que dá um certo desespero. Se a cabeça não está muito boa, tanta aba aberta assim pode terminar travando o cérebro. Já passei por momentos bem ruins em função disso, mas agora acho que to com memória RAM suficiente para ir levando.
Esse é o meu jeito de ser escritor e é neste ritmo que tenho 5 livros publicados, com mais alguns textos aprovados - vem ai! - para sair entre 2022 e 2023. Histórias que surgiram desse universo criativo caótico e que sobreviveram, de um jeito ou de outro. Em breve, quando for possível, compartilho mais detalhes.
Chegou até aqui? Que tal conhecer meus livros?
Velas Cheias de Sonhos
Story Time
Ilustrações: Bua
Aleixo Belov descobriu no mar um mundo novo para explorar. Na sua jornada, descobriu também que o foco, os livros e principalmente um sonho é o que ele precisava para dar sua volta ao mundo. Este livro é inspirado na vida do navegador brasileiro Aleixo Belov, o primeiro a dar a volta ao mundo sozinho, num barco de bandeira verde e amarela, o Três Marias.
Tutu Amerelo e o bolo de chocolate
Franco Editora
Ilustrações: André Cerino
Esta é uma história que mostra, a partir do diálogo entre uma neta e a sua avó, que nem tudo é o que parece ser e que a perfeição é o resultado de uma série de sacrifícios, tentativas e erros. O texto faz parte de uma coleção de 3 histórias memorialistas em que reconto fatos da infância e da relação das crianças com seus avós.
Pedro Borralheiro e outros contos da Ilha do Medo
Ebook – Story Time
Cinco amigos em volta da fogueira decidem contar histórias macabras que aconteceram na Ilha de Itaparica, na Bahia, onde estão passando as férias, sem imaginar as consequências dessa brincadeira.
Esse dá pra comprar ebook na Amazon ;)
Viagem para Além da História
Story Time
Viagem para Além da História é um livro de atividades, co-autoria de Bito e Vanessa Teles, sócios e fundadores da Livroteca Story Time. O primeiro volume traz 14 atividades para as crianças extrapolararem as histórias de cada livro e explorarem o potencial das narrativas a partir de suas próprias experiências.
O Menino Que Aprendeu (e Ensinou) a Olhar
Story Time
Ilustrações: Carol Ito
O livro O Menino que Aprendeu (e Ensinou) a Olhar conta a história de Frank, um menino imaginativo e curioso. Um dia, a caminho da escola, ele vê uma carta de baralho na rua e lembra da sua avó, que adorava jogar buraco. A partir daí ele vai aprender e ensinar como se olhar as coisas do mundo e descobrir o que mais de escondido pode existir por aí.
Estou retomando a newsletter como dá, sem muita firula e sem fazer as amarrações da proposta original.
Obrigado por ler e, se você chegou agora, fique à vontade que a casa é sua =D
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E se você curtiu ou acha que alguém da sua rede pode curtir essas minhas palavras imperfeitas, já sabe, né?
Uau! Me vi na sua rotina! Tem alguns dias que tenho me deparado com a narrativa sobre a rotina das pessoas, e algumas são rotinas tão bem estabelecidas, que me pergunto se é verdade hahahaha. E quando penso que podem ser, eu realmente me sinto menos escritora
porque quando olho para minha rotina, vejo vivo no enquanto, enquanto acordo a criança para escola, salvo uma ideia no bloco de notas do celular, enquanto faço o café, rumino um pensamento que pode virar texto, enquanto tomo café, leio e faço anotações rápidas...e por aí vai....Não tenho dúvidas nenhum que gostaria de ter um tempo dedicado, mas vida segue sem me esperar então preciso correr junto com ela.