Há mais ou menos um ano decidi que iria aprender a pintar com aquarela. Eu jamais havia pintado qualquer coisa de fato, tirando uma ou outra brincadeira de pintar a palma das mãos com meus filhos pequenos. A decisão de começar uma jornada do zero me parecia um desafio à altura do buraco negro onde eu havia caído desde o início da pandemia.
Para falar a verade, comprei o kit de aquarela ainda em 2019, numa promoção imperdível dessas lojas chinesas, mas ele permaneceu intocado até uma noite de insônia em que, ou eu pintava, ou eu fugiria de casa de uma vez. Resolvi pintar (fiz uma live no Instagram na madrugada para compartilhar meu sofrimento com meus amigos kkk).
Como é frustrante. Como é desesperador ver aqueles resultados horríveis num papel caro pra dedéu e conviver com o sentimento de que não fazer nada que presta! Passei a odiar aquarela com todas as minhas forças e por mais que eu fizesse cursos, oficinas e mentorias (tentei várias!), nada me deixava satisfeito.
Ao contrário de outras iniciativas como aprendiz de 40 anos (como mergulhar em aulas de francês ou teclado), eu não desisti da aquarela. Havia - e ainda há, na real - um momento sublime em que tudo estava dando certo, a tinta percorrendo o papel nos pequenos leitos de água cristalina criados por mim e uma paz inexplicável… até que ficava tudo uma merda meio cinza, meio marrom. Um borrão amorfo num papel esfarelado. Acho que foram esses breves momentos de conforto que não me deixaram jogar tudo para o alto.
Hoje em dia, mais de um ano depois, um pouco mais hábil e confiante, mas sobretudo um pouco mais acostumado com o fracasso de pintar, acho que descobri os motivos que fazem o ato de aprender uma parada tão difícil e frustrante. Vamos lá.
Não nascemos caminhantes
Uma das primeiras coisas que coloquei na cabeça enquanto lutava com as crises de não acertar nenhuma pintura foi de que o aprendizado é um processo. Sem discussão. Na época eu olhava para minha filha, com pouco mais de 1 ano, que já se erguia de pé, mas não caminhava. Arriscava alguns passos cambaleando até cair de bunda no chão. Para ela, aprendiz de caminhante, não havia outro caminhar que não aquele. Levantava-se com dificuldade e seguia novamente em busca da marcha. Pintar, para mim, é como aprender a andar… haverá um dia em que farei isso de um jeito próprio e natural, desde que caia de bunda no chão uma porção de vezes antes.
A vida real não acontece em time-lapse
Outro ponto de virada foi quando “descobri” que a vida não acontece no tempo do time-lapse do vídeo do Instagram ou do Youtube. Ah! Como é libertador. Aquarela é uma arte de planejamento, desapego e, principalmente, paciência. Deixar a água secar, deixar a tinta ativar, deixar o pincel percorrer o caminho com suavidade. Ver a foto da tela pronta, ou o registro de uma pintura que parte da tela em branco a uma bela paisagem em 40 segundos é gatilho certo para frustração.
Não é o mundo que nos ordena, nós que ordenamos o mundo
Mas o mais legal mesmo eu aprendi no último fim de semana, numa oficina de ilustração com o artista plástico, ilustrador, mestre e amigo André Cerino. Enquanto falava das referências e do nosso apego a tentar representar “perfeitamente” as coisas à nossa volta para ilustrar, Cerino disse: “Não se preocupe com o que o mundo te ofereceu. Se preocupe com o que você vai oferecer para o mundo”. Quando a gente tenta parar de imitar o mundo e passa a criar o nosso próprio, é que a arte acontece.
Existe um livro infantil que fala sobre isso?
Existe, e fui eu que escrevi, veja só! Quando O Tutu Amarelo e o Bolo de Chocolate foi concebido eu jamais imaginei que nele eu encontraria respostas para muitas das minhas angústias criativas.
O livro, ilustrado justamente pelo querido André Cerino, editado pela Franco Editora, conta a história de Gabi, uma menina apaixonada por balé, que tenta de toda forma imitar o quadro da bailarina de tutu amarelo que tem na casa da sua avó. De tanto tentar e não conseguir, Gabi se entristesse porque não consegue ser perfeita como a menina do quadro.
E é aí que entra em cena a sua avó, com um bolo de chocolate delicioso, perfeito, e que vai mostrar a Gabi que o que chamamos de perfeição é o resultado de uma receita de muito esforço, resiliência e acolhimento.
“É tão difícil ser a bailarina, querida”, diz a vovó. “Mas o que há de tão difícil em ser perfeita”, replica a netinha, com lágrimas nos olhos.
Não se faz receita de bolo sem colocar açúcar e quebrar os ovos, sem derramar farinha e sem engrossar a massa na batedeira. E eu tenho certeza de que a gente pode muito bem provar uma vida doce, como bolo de chocolate… basta confiar no processo e na receita.
Foto: Rafa Zart
Este e outros livros infantis (meus e de outros autores) estão à venda na Livroteca Story Time, uma livraria dedicada à literatura infantil que fundei junto com a Vanessa, minha esposa e sócia. Entregamos em todo o Brasil =D
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E se você curtiu ou acha que alguém da sua rede pode curtir essas minhas palavras imperfeitas, já sabe, né?
Quem nunca se perguntou “será que não tô velho demais pra isso?” e acabou se privando de viver uma experiência que poderia ter sido fantástica? Ou edificante? Ou terrível, mas ainda assim, uma experiência? Fico curioso de saber do desenrolar da história dos livros que coloca aqui, então, pra não perder essa experiência, pedi pra Vanessa fazer um combo pra que eu possa viver isso com meus pequenos.
Continuarei de olho nas crônicas de Bito e nas indicações literárias.